Não é apenas uma exclusividade dos pregadores itinerantes que abusam da extrapolação nas interpretações bíblicas, transformando simples parábolas em análises muito mais amplas que a intenção original do texto. Infelizmente este comportamento tem entrado cada vez mais nas composições, corrompendo a boa música e ofertando um evangelho enganoso para os mais leigos.
A Bíblia continua atual e sua mensagem se renova a cada dia, mas este renovo não pode ser artificial e forçado. A mensagem da cruz tem uma mensagem clara e objetiva, uma semente perfeita, que mesmo plantada sobre a terra infértil ela prosperará.
O que é licença poética?
Um recurso da poesia bastante usado em canções, vejamos o seu significado:
Na música cristão usamos da licença poética para interpretar emoções e questões mais espirituais, mas tem sido muito utilizada para imaginar uma relação mais profunda, próxima e digamos amorosa entre Deus e o homem, e aí começam alguns problemas, pois sempre que tentamos inovar na forma de relação entre Deus e homem deixada na Bíblia arriscamos distorcer ou inverter os papeis.
Extrapolando a parábola
A Bíblia diz que nos tornamos filhos, então fazemos músicas tentando entender o que é ser filho sob a perspectiva humana, então tentamos contextualizar com o filho moderno, chegando então nos filhos mimados da geração atual, o que nos leva a músicas que começam a colocar Deus como alguém que corre atrás dos filhos, assim como os pais desta nova geração.
A Bíblia diz que somos noiva, então extrapolamos tentando entender toda a relação da noiva e noivo, expectativas, mas novamente sobre a perspectiva humana. A música vem em um caminho semelhante, começa no “eu sou do meu amado e ele é meu” chegando até ministrações com expressões como “o teu amor me excita”.
A Bíblia diz que somos ovelhas, logo cantaremos sobre o pelo e a qualidade da lã.
Somos o sal da terra, não vejo a hora de louvores dizendo que somos sal do Himalaia.
Que somos luz do mundo, LED ou fluorescente? Corrente alternada ou contínua?
Que somos embaixadores, que somos… e por aí vai. É óbvio que usei da extrapolação, nas três últimas linhas para exemplificar.
Pregue a palavra, esteja preparado a tempo e fora de tempo, repreenda, corrija, exorte com toda a paciência e doutrina.
Pois virá o tempo em que não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, sentindo coceira nos ouvidos, segundo os seus próprios desejos juntarão mestres para si mesmos.
Eles se recusarão a dar ouvidos à verdade, voltando-se para os mitos.
Você, porém, seja sóbrio em tudo, suporte os sofrimentos, faça a obra de um evangelista, cumpra plenamente o seu ministério.
2 Timóteo 4:2-5
Mais próximos das escrituras
Particularmente acredito que devemos expressar nossas emoções cuidando para não passar a fronteira do subjetivo e do implícito, também acredito que se leva um tempo até conseguirmos amadurecer e a separar as emoções infantis da emoção adulta. Não acredito que o ser humano tenha que se tornar extremamente sóbrio como alguns tradicionais e tão pouco só agir se for debaixo do fogo, como alguns pentecostais querem. O ser humano é dotado de Corpo, Alma e Espírito, cada um tem um papel e seu tempo, assim temos horas que devemos agir com sobriedade, horas com a emoção e horas com a espiritualidade.
Contudo, minha emoção e razão não podem andar desalinhadas com a palavra, tão pouco podem entristecer o Espírito Santo, passar uma mensagem distorcida, dúbia ou de dupla interpretação, é neste sentido que devemos buscar este alinhamento na composição.
Se dermos asas as nossas emoções, em breve estaremos sexualizando ou infantilizando as canções, se deixarmos a razão dominar as tornaremos frias e técnicas, ou as transformaremos em contos alienados, se deixarmos nosso suporto “lado espiritual” falar, muitas vezes imaturo e pouco conectado realmente com o Espírito.
Sempre que tentamos achar algo a mais oculto no texto, mas que não está ali, só está em nossa mente ou em teses duvidosas, as distorções começam a aparecer, levando uma mensagem que não criará bons cristãos, mas sim aberrações, que pouco a pouco perdem o respeito para com seu Senhor.
Quanto mais próximos da escritura, usando sim a emoção para demonstrar quão gratos somos, mas tomando sempre o cuidado para não passar dos limites de uma relação entre um filho que teme, ama e respeita seu pai, de um servo para com seu bom Senhor, de um súdito/membro da corte de um grande rei.
Estamos diante de uma geração carente, cheia de lacunas emocionais, ao ponto que crer em Deus e receber seu Espírito não é mais suficiente, queremos um Deus apaixonadinho ou paizinho que queria andar de mãos dadas, que pegue no colo, queremos que faça cafuné ou carinho até chegarmos em “sentir teu calor”.
Fujamos do implícito, canções que não deixam claro para quem é cantada dão brechas para o duplo sentido. Considere que nem sempre quem nos ouve está envolvido em nosso contexto, deixando as pessoas confusas, pense uma pessoa com a mente perturbada passando pelas rádios e para ouvir “quero deitar no seu colo e sentir seu carinho, vem e me abraça, eu quero te sentir”. Se é para Deus, Jesus ou Espírito Santo, deixe claro no texto da letra para quem ela é direcionada, não caia nesta cilada do implícito ou do duplo sentido. Se for para a namorada, não tem problema, faça canções para ela, tios, filhos, avós ou conjugue, não é errado ou pecado.
Faça como os autores dos Salmos
Os salmistas escreveram poemas e canções sobre muitas coisas, sobre a ira, amor, plantas, pássaros, glórias, derrotas, revoltas, arrependimentos, alegrias, sonhos, desejos, fé, desabafos entre muitas outras coisas, uma linda coleção de expressões dos mais variados tipos, sempre sem perder o foco do criador, sempre deixando claro quem é digno de honra e glória.
Inspire-se e use a Bíblia como seu alicerce!