Os músicos são classificados em algumas comunidades como “estrelas” ou “rebeldes”, entre outras atribuições, talvez fruto de um anseio dos líderes em ter uma igreja homogênea, todas ovelhinhas obedientes seguindo os padrões estabelecidos, algo difícil para os músicos. Na outra extremidade temos músicos que exageram demais, perdem a educação, bancam os foras da lei e desafiam o senso popular.
Neste artigo vou dar minha visão a respeito da forma como algumas coisas ocorrem dentro da igreja, o perfil do músico e da liderança e como direcionar algumas questões, sempre baseado na análise dos mais de 20 anos de estrada e após ter tocado com mais de 200 músicos. Parte desta análise é baseada na minha percepção como músico e líder, não temos ainda um estudo a respeito do tema, causas e efeitos, um próximo desafio já estabelecido para sairmos do achismo e termos dados concretos.
Padrão, robozinhos
Os crentes que frequentam as igrejas a mais de 20 anos terão lembranças do início das igrejas Renascer e posteriormente Bola de Neve, nasceram em meio as igrejas mais tradicionais onde reinava o padrão do crente tradicional, que usavam uma roupa mais formal e o corte de cabelo padrão, entre outras características, tendo talvez a Igreja do Evangelho Quadrangular como mais descolada na época (chamada por algumas de igreja portas abertas), mas que não andava tão distantes assim das demais. Nenhuma delas conseguia atingir grupos com comportamentos, pensamentos e costumes fora do padrão, onde então começam a surgir igrejas voltadas para segmentos culturais não atendidos pelas igrejas tradicionais, para não dizer desprezados.
A questão aqui é que tínhamos de modo muito claro pelos usos e costumes ligados a fala, música e vestimentas a distinção entre as denominações, facilmente podia-se identificar os Tradicionais, Pentecostais, Quadrangulares e outras pela forma, como se vestiam para ir aos cultos, e os que diferirem destes padrões tinham duas opções: continuar fora da igreja ou adotar os padrões da comunidade escolhida
A igreja tinha e ainda tem dificuldade de lidar com quem não se adapta aos padrões, mesmo estas que se diferenciaram no passado adotaram algum tipo de preconceito, embora com menores proporções, se você gostasse dos costumes tradicionais ou pentecostais e participasse de um culto nestas igrejas descoladas existiria uma grande chance de ser motivo direto ou indireto de críticas e chacotas.
Ouvi por várias vezes que a igreja não poderia ter tribos, outras vezes a retórica dizia que todos eram bem-vindos, desde que aceitassem e adotassem o novo padrão social. A desculpa para não haver tribos é porque não há divisões na igreja.
Deus, ao escolher Moisés e resgatar o povo do Egito, divide-o em 12 tribos, cada um com um papel dentro da nação. Jesus ensina os discípulos que a igreja é um corpo, formado por muitos membros, cada um com seu papel a desempenhar, ou seja, cada um possui características específicas para conseguir desempenhar o seu papel.
E ele designou alguns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas, e outros para pastores e mestres, com o fim de preparar os santos para a obra do ministério, para que o corpo de Cristo seja edificado, até que todos alcancemos a unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, e cheguemos à maturidade, atingindo a medida da plenitude de Cristo.
Efésios 4:11-13
Vemos no meio secular um problema similar no sistema educacional, oriundo do modelo escolar criado para atendar a revolução industrial, onde o objetivo é formar trabalhadores padrões para as fábricas, não precisam pensar além do necessário, desde que saibam o necessário para executar seus serviços.
Alguns exemplos:
Se você for de uma igreja pentecostal e não “falar em línguas”, você está fora do padrão.
Se você for de uma igreja tradicional e gostar de uns louvores pentecostais, você está fora do padrão.
Se você for de uma igreja reformada e gostar de se entusiasmar, de vibrar ou demonstrar sua alegria durante a mensagem, você está fora do padrão.
A regra básica de muitas igrejas e líderes é: adapte-se ou procure outro lugar.
E onde entram os músicos?
No mundo das artes, sejam músicos, compositores, escritores, pintores, assim como o pessoal de direito, contabilidade, física, análise de sistemas, possuem características sociais e comportamentais bem distintas, basta frequentar por algumas horas as escolas e faculdades de cada um destes grupos.
Quem não se deleitou com os extremos da série The Big Bang Theory, mostrando o universo dos nerds da área de física, jovens com habilidades duvidosas para se relacionar, ao ver um documentário sobre músicos e bandas, que levam para o outro extremo com drogas, sexo e atos de desrespeito as leis.
Não podemos pegar estas diferenças e ignorá-las, não podemos simplesmente pedir para que se anulem em favor de uma ou mais convenções sociais. O que vi ao longo dos anos são líderes que não sabem ou não querem ter que lidar com o diferente, por isso juntam-se com pessoas que pensam da mesma forma e excluem os demais.
Os músicos possuem historicamente um comportamento fora do padrão social, seja pelo excesso do lado criativo ou pela ausência de traquejo social, neste último normalmente latente nos músicos mais nerds, não muito diferente dos nerds de exatas. Mas como temos em algumas comunidades líderes fracos, sem muito preparo, tratam estas diferenças como um defeito, onde afirmo sem medo, se não dependessem tanto dos músicos como atrativo para suas reuniões de qualidade duvidosa, expulsariam estes de suas comunidades.
Não estou dizendo que não existam realmente os músicos estrelinhas, sem humildades alguma, que usam a igreja para sua promoção, mas em minha jornada estes representam uma parcela pequena, fruto do despreparado dos líderes que não sabem diferenciar uma característica do indivíduo dos déficits de caráter.
Temos que lembrar também daqueles que se sentem intimidados diante de músicos mais preparados, e o simples fato de a pessoa afirmar que sabe ou tem certeza, é suficiente para ser taxada de estrelinha ou artista, apelando para o contexto espiritual, dizendo que a unção é mais importante.
Os músicos fazem parte de uma tribo com suas particularidades, e se você quer músicos melhores, quer dançarinos melhores, atores melhores, entre outros, se prepare para lidar com estes perfis diferentes, com hábitos que fogem ao crente padrão. Quanto mais cedo o líder entender que não haverá um padrão entre os membros, que tribos estarão sempre espalhadas no meio da congregação, mais cedo poderá usar isso ao seu favor, buscando entender as características e habilidades que cada uma delas tem de melhor, e usar isso em favor do crescimento do reino.
Não estou dizendo que temos que em um mesmo culto tocar rock, pop, reggae, axé, forró e worship, pode virar uma salada, mas buscar na medida do possível atender aos anseios dos diversos grupos, do contrário se prepare para perdê-los em algum momento.
Cenário complexo
Entre os músicos temos uma incidência de défice de atenção, dispersão e tédio acima da média, se dispersam no culto com uma facilidade enorme, muitos não conseguem ficar mais do que 15 ou 20 minutos prestando atenção em uma explicação, seja ela qual for, incluindo pregações.
Outros após 30 ou 40 minutos tocando, em especial em igrejas com baterias abertas e volumes acima da média, após o tempo do louvor ficam com seus ouvidos saturados, muitos nem sabem que se afastam das caixas para diminuir o desconforto da saturação auditiva.
Outros após o louvor não se desligam, demoram uma ou duas horas para esquecer os erros e acertos, ficam repassando o que fizeram de certo ou errado, não conseguem prestar a atenção em nada que está sendo falado.
Após 30 ou 40 minutos esfregando as mãos em cordas de aço, com o suor oxidando as cordas e soltando em suas mãos, precisam lavar as mãos.
O baterista que faz o equivalente em minutos de exercícios físicos em uma academia, acaba o louvor muitas vezes exausto.
Ministros que pulam, gritam e fazem uma maratona em cima do palco.
É neste cenário complexo que trabalhamos, precisamos de muita habilidade e sabedoria para lidar com estas características, não dá para tratá-los como se fossem os demais membros, por outro lado, não podemos deixar totalmente solto, o mínimo de ordem se faz necessária, mas dentro do limite.
Se um consegue, todo resto deve ser igual
O fato de um músico conseguir se adaptar ou se conter, parecendo com o restante do rebanho, não é um indicativo que isso irá funcionar com os demais, o que não nos dá o direito de afrontar os diferentes atacando suas diferenças, o que pode levar á atitudes recíprocas que parecerão atos de rebeldia. Novamente, não estou dizendo que nunca haverá rebeldes, apenas que o líder precisará sair da zona de conforto e se preparar para diferenciar o joio do trigo.
O desafio do líder é extrair destes mais variados perfis o máximo, e conduzir para a excelência para prestação de serviço no culto. Tentar encaixar todos dentro de um molde padrão é um erro clássico, que se repete diariamente, anulando ministérios com grande potencial.
Acredito que não passamos os gringos em qualidade e quantidades não apenas pela falta de bons equipamentos, dinheiro ou preço justo, mas também pela falta de conhecimento e incentivo para crescer e melhorar. Em um país onde ainda aplaudimos e valorizamos a ignorância e mediocridade fica difícil ir para o topo.
Até mesmo entre os músicos existem grandes diferenças, seja pelo estilo adotado ou instrumento, tendo perfis clássicos como os bateristas que são normalmente os mais agitados do grupo, os baixistas e tecladistas disputam entre os mais sossegados, e guitarristas e cantores disputando a atenção, ficando a grande parte da audiência das escolas nas aulas de guitarra, violão e bateria.
Penso aqui comigo que Deus quando estava inspirando e instruindo a separação das 12 tribos, quando chegou a vez da tribo de Levi, ele pensou bem se a daria terras ou não para a turma fora da caixinha e no final ele chegou à conclusão que era melhor deixar esta turma cuidando do tabernáculo, da música, dos utensílios e das ofertas, porque do contrário passariam fome e ao invés de ofertar dariam trabalho.
Alguns não irão concordar com o que descrevo acima, mas o fato de você querer ignorar tais diferenças não irá torná-las inexistentes, elas não deixarão de existir. E isso vale não só para os músicos, mas para as mais diversas tribos que possam surgir. Não é dar tratamento especial, mas se trata de encontrar o jeito certo para o bem de quem trata e de quem é tratado.
Os que estão ficando mais próximos do padrão fazem por razões bem conhecidas:
- Ficaram velhos e cansaram da música, ou seja, deixam de ser músicos em tempo integral;
- Conjugue ou namorada(o) obrigando a ficar sentado do lado com ameaças e chantagem;
- A mãe obrigando a ficar sentado com ameaças e chantagem;
- O pastor faz chantagem e ameças de púlpito;
- Não é um músico raiz, aprendeu e gosta de música, mas nunca incorporou a vida de músico;
- Nasceu na igreja e cresceu sob ameaças de morte de um Deus que se vinga dos rebeldes;
- Estão cansados e dispersos o suficiente para não ligarem para o que está acontecendo, ficam sentados para descansar;
- A mensagem é realmente muito interessante e o pregador tem habilidades acima da média para prender a atenção;
- E por último, alguns poucos que conseguem ter a habilidade de sentar e assistir o culto;
Os diferentes deixam de ser pastoreados
Por mais que afirmem que os músicos são os rebeldes e estrelinhas, ou seja, os que mais precisariam ser pastoreados, o que vi na prática nestes anos foi o oposto, os diferentes são os menos pastoreados, sejam porque nem sempre são os maiores contribuintes financeiramente, seja porque questionam um pouco mais que a média, seja porque não aceitam seguir os padrões, tem dificuldade em se adaptar ou são difíceis de lidar.
Por outro lado, deixar um pastor ou líder despreparado tratando com músicos é o mesmo que misturar a torcida do Corinthians e Palmeiras, alternando um torcedor de cada time em cada cadeira na final do brasileirão e pedir que não se matem.
Ideias que costumam dar errado
Novamente, o fato de dar certo em um lugar não quer dizer que funcionará para todo mundo. Os itens abaixo são ações que vi falharem não uma ou duas vezes, mas várias vezes em uma mesma igreja e em várias igrejas diferentes, em cidades e estados diferentes.
- Obrigar músicos a irem nas escolas dominicais pela manhã, ache outra estratégia para ensiná-los;
- Obrigar a prestar a atenção em mensagens por mais de meia hora, alguns não sobrevivem nem aos primeiros 15 minutos;
- Obrigar músicos a acordarem cedo, há exceções;
- Obrigar músicos a participarem de células mistas, tendem a criar problemas ao falarem com pessoas normais;
- Uniforme para músicos, tirando bandas de adolescentes ou saudosistas, o resto não curte muito a ideia, no máximo uma camiseta;
- Colocar o pastor para tratar de assuntos técnicos, tenha sempre um intermediador que saiba falar com as duas tribos (pastores e músicos);
- Querer que se desliguem da música logo após tocar, não tem uma chave liga e desliga;
Lidar com músicos é uma tarefa árdua e requer muita sabedoria, pulso firme e criatividade.
Estamos avaliando a criação de um estudo mais aprofundado do perfil psicológico do músico cristão no Brasil, iniciaremos criando o questionário de avaliação que servirão de base para o estudo, em seguida estaremos divulgando a convocação para participarem do questionário. De posse do resultado e concluídas as análises publicaremos os resultados e dicas de como trabalhar com este perfil de membro de nossas comunidades.
Tema interessante , acabei me vendo em muitas partes do seu texto. uma benção.