Acredito que uma parcela considerável daqueles que vivera nos anos 80 e 90 irão concordar que este foi um dos períodos mais criativos para a música, foi o tempo em que a igreja estava rompendo com o legalismo musical que impedia o uso de certos instrumentos e estilos, tempo que em que surgiram movimentos que permitiram experimentar sons, técnicas e estilos que nos levaram conhecer bandas para os mais variados gostos, e não estou falando apenas fora do ambiente de culto, mas principalmente dentro do ambiente de culto.
Tivemos neste período o encerramento do ciclo onde os hinos (cantor e harpa cristã) que para algumas igrejas eram praticamente a segunda bíblia e a transição das músicas baseadas nos estilos dos anos 50, 60 e 70 que foram deixadas gradualmente de lado para o surgimento da base do louvor moderno, esta evolução nos levou a uma maior diversidade de estilos entre os anos 80 e 90, contudo o final dos anos 90 e décadas seguintes sofreram com a padronização e ao sufocamento da grande maioria dos estilos.
Este movimento que não ocorre apenas nas igrejas, mas que atinge todo o cenário musical, desbancando estilos que até então tinham uma presença constantes em rádios e programas de tv. A própria definição de música popular nos remete a um estilo ou alguns estilos que fazem parte do gosto geral da população, em tempos onde passamos dos 7 bilhões de pessoas e os algoritmos tendem a sugerir cada vez mais aquilo que você mais ouviu e para os que estão chegando partindo de sugestões do gosto mediano, o que vemos é a concentração em alguns músicos, bandas, músicas e estilos.
Para os que querem descobrir algo novo ou provar novos estilos, precisam garimpar as plataformas e criar uma rotina de pesquisa que com o tempo fará os algoritmos pararem de sugerir o que está a maioria da população está ouvindo.
O padrão vende mais
Gravadoras e bandas/ministérios que se preocupam o aspecto financeiro, que precisam manter equipes e obter lucro acabam contribuindo para a massificação dos estilos mais populares, pois arriscar estilos diferentes e músicas fora do padrão podem significar um menor engajamento nas redes sociais, pode desagradar parte do seu público e consequentemente reduzir a possibilidade de ganhos.
Não é incomum observarmos novas bandas estudando o que está em alta para preparar suas músicas, para aqueles que entram no ramo da música com anseios de obter o sucesso e reconhecimento massivo a melhor chance de sucesso é se concentrar naquilo que agrada à massa, ou seja, o que é pop.
Do ponto de vista dos negócios, não há nada de errado nesta abordagem, pois é o que viabiliza manter estúdios, produtores e toda a estrutura necessária e com profissionais qualificados, contudo ficam reféns das surpresas, pois com a ausência de experimentação de novos estilos cabe aos independentes se aventurar e assumir o risco, algo que as redes sociais tornaram plausível, algo que antes se tornava quase impossível e caro, dependendo muito da sorte ou de dinheiro.
Efeito da padronização nos cultos
Vi muitos colegas músicos se irritando com os estilos tocados atualmente em igrejas, como se elas fossem o reduto para satisfazer os nossos gostos pessoais, quando na realidade tende a prevalecer o gosto da maioria ou de quem tem o poder. Alguns querendo voltar aos estilos dos anos 90, 80 e 90, quando, na prática, a maioria das pessoas que estão ouvindo nos cultos não gostam ou não preferem esses estilos.
Entre 2021 e 2022 tivemos uma iniciativa do Ministério Morada que fez um belo trabalho revisando e dando uma nova roupagem para cânticos antigos, com muita inteligência, usando timbres, riffs, efeitos e estruturas harmônicas mais modernas, o que agravou uma boa parcela do seu público que até então estava fiel ao estilo worship. Vemos iniciativas parecidas em alguns ministérios, mas, em geral, acabam fazendo uma nova roupagem velha.
Não devemos perder o anseio de sair mesmice e fazer um som diferente, mas precisamos entender os novos padrões impregnados na mente das massas e explorar a criatividade, ferramentas e todo o potencial que a música oferece para unir estes anseios pelo diferente e trazer características que não assustem ou afastem as pessoas que frequentam nossas igrejas.
Diferente de uma banda independente, grupos e ministérios voltados para servir nos cultos tem como obrigação primeiro auxiliar os frequentadores a ter um culto agradável a Deus, que os aproxime de Deus. Em segundo plano, se houver a oportunidade de apresentarmos algo novo para a igreja, mas sem causar traumas, podemos trazer novos sons e explorarmos um pouco da criatividade.
Considerando que é muito tentador para as lideranças se dar ao luxo de ter uma igreja uniforme, que pensa exatamente do mesmo jeito, que ouve as mesmas coisas e repete tudo sem questionamento, qual líder vai querer o incomodo de dar liberdade musical, pois o passo seguinte será arrumar onde e quando estes poderão apresentar seus experimentos. Contudo, não podemos esquecer que as pessoas não são iguais, possuem pensamentos, gostos e ideologias diferentes.
Tivemos períodos em que muitas igrejas ousaram definir que estilos seriam mais ou menos espirituais, quais músicas eram ou não de Deus, embora tenhamos evoluído bastante neste tema, não é incomum ainda ouvirmos pastores esbravejando seus gostos musicais como se fossem uma teologia dos céus. Só tenha cuidado na hora de avaliar o que tenho ponderado aqui, vejo muitos comentários tomando como base sua pouca experiência e vivência com outros ministérios e regiões, alguns passaram “a vida toda” em um único ministério, quando muito dois ou três muito parecidos, ou seja, o conhecimento e o gosto da pessoa é limitado as suas experiências.
Temos o desafio de entender e ajudar a igreja a explorar e conhecer os novos estilos, a romper algumas fronteiras e barreiras, mas com todo o cuidado, não queremos criar uma crise aqueles que vem as nossas reuniões para se conectarem com Deus e atrapalhar seu culto.
Efeito da padronização para os músicos
Um aspecto negativo desta padronização é que as novas gerações nascem desprovidas do interesse por explorar todo o potencial, se limitam a tocar o que está em alta, o que no cenário atual acaba criando músicos limitados tecnicamente, uma vez que as músicas possuem estruturas simples e arranjos que exigem poucas habilidades técnicas.
Por outro lado, ter músicas mais fáceis possibilita a entrada mais rápida de novas pessoas para a música, contudo sem conhecerem técnicas e mais possibilidades estamos criando uma geração de músicos limitados e com baixa criatividade.
A massa direciona a massa
A padronização atingiu todos os lados, passamos a ter um louvor congregacional padrão, o louvor pentecostal foi padronizado, o sertanejo gospel acabou padronizado (seguindo a tendência do secular), o rock gospel assim como no secular foi colocado em segundo plano com poucos players de sucesso, e a igreja viver um flerte constante com músicas de ostentação ou letras baseada em jargões vulgares, ou de coachs.
Também não vou aqui ficar lamentando a morte de alguns grupos, é comum vermos nos comentários de vídeos e artigos que falam de estilos musicais pessoas reclamando que bom era mesmo a banda X ou Y. Bom seria se todos os grupos e estilos pudessem ter o mesmo espaço atualmente, não apenas o que eu gosto ou o que você gosta.
Em partes a culpa desta situação é da mídia, ou seja, rádios, sites e TVs que dominaram até o final do século XX impondo os estilos dominantes (que a maioria gosta) e removendo os demais estilos, se concentrando nos estilos massivos que são mais rentáveis. Não há de fato uma preocupação social e intelectual para a música, o foco são os negócios.
A igreja teve sua parcela de culpa na música em geral, embora tenha se modernizado ela permaneceu insistindo em escolher um estilo predominante e matando os demais, em especial o estilo que não agrada alguns líderes ou influenciadores locais, mas no que diz respeito ao louvor congregacional a igreja tem uma parcela maior de responsabilidade, pois a igreja no que diz respeito a música ela não é inclusiva, pelo contrário, a igreja costuma ser bem segregacionista, ao ponto que hoje temos igrejas específicas para determinados estilos musicais, seguindo o mesmo movimento de bares e baladas, que se especializam em determinados públicos e estilos.
É claro que existem exceções, mas não vivemos de exceções, temos que avaliar o todo.
Como deixamos a educação musical para a internet, ou seja, quem forma musicalmente a maioria de nossos músicos na atualidade são os algoritmos das plataformas de vídeo e o streaming de músicas, cada uma em busca da fórmula de entregar mais relevância e aumentar a audiência, acabam sempre apresentando conteúdos onde existe a maior chance de retenção do usuário (tempo em que a pessoa fica ouvindo ou assistindo), o que, na prática, acaba oferecendo sempre músicas e estilos parecidos. Como igreja deixamos de ser um lugar que forma músicos dos mais diversos estilos e adotamos o estilo que o algoritmo sugere aos líderes da igreja, do ministério e dos músicos (este também tem sua parcela de culpa).
A família que não aprendeu música não consegue ensinar música, as escolas não ensinam e a igreja também não ensina, todos querem algo pronto, cabe aos jovens se virar para aprender e é aí que entra a internet, que molda as nossas vidas e de nossas igrejas.
Tem solução?
Para o problema de forma geral não tem uma solução fácil, seria necessário um investimento para as próximas gerações, pois para aqueles que foram impregnados e estão em sua zona de conforto é muito difícil uma mudança.
No âmbito da sua comunidade local e de sua banda/ministério, entendo ser plausível, porém irá exigir que as lideranças, cantores e instrumentistas saiam da zona de conforto, pois são necessárias muitas conversas, pesquisas, estudos, investimentos e tempo (muito tempo). Será muito difícil se não estiverem dispostos a dedicar.
Os que não estiverem dispostos a mudar tem a sua frente 3 opções:
- Desistir
- Ficar limitado aos feudos (grupos, patotas), onde todos pensam iguais
- Continuar se irritando e irritando aos outros